domingo, 11 de dezembro de 2011

As coisas da vida







Eu perdi a conta de quantas vezes voltei pra casa com os joelhos esfolados. Cortes, arranhões, pés furados com espinhos, dedos ralados por jogar descalço nas ruas, mãos cheias de bolhas e cortes pelas brincadeiras nas árvores ou por fazer meus próprios brinquedos...



Tenho algumas marcas ainda hoje. Os tombos de bicicleta me custaram uma cicatriz no braço direito e dentes da frente separados. Os acampamentos da boa época do clube de desbravadores me renderam algumas marcas de corte de faca nos dedos.

Uma vez levei três pontos na pálpebra esquerda, quando correndo pelo quintal fui "fisgado" pelo arrame farpado que servia de varal. Mas isso foi depois de ter ficado todo empolado por ter não sei quantos carrapatos pelo corpo, que foram lembranças de brincar no lugar onde os cachorros dormiam...


O curioso é que não deixei de fazer meus brinquedos. Continuei correndo e subindo em árvores. Ainda de bicicleta ainda muitas outras vezes. Acampei até ficar adulto (e continuei me machucando). Entendia, mesmo sem muita consciência disso, que os joelhos ralados eram simplesmente coisas da vida...


Em um dos acampamentos que Willian (grande amigo do coração) e eu promovemos (um acampamento de carnaval no sítio da mocidade para cristo, em Belo Horizonte) comecei a conversar com uma garotinha de uns 4 aninhos. Ela me perguntou se eu tinha "consequências", e fiquei perdido, sem saber bem o que ela queria dizer. Então, ela levantou o bracinho, dobrado contra o corpo, e me apontou com o indicador da outra mão um arranhão já cicatrizado, e disse eu tenho essa "consequência aqui"... Imaginei quantas vezes ela tinha ouvido a mãe exasperada dizer "tá vendo a consequência, minha filha."

Consequências, coisas da vida. Hoje estou tentado a pensar nestas coisinhas que a vida nos apresenta DE UMA OUTRA FORMA. Quero vê-las como marcas distintivas das aventuras vividas. Quando era criança, mesmo que com as "consequências" viesse alguma dor, um choro sofrido, um remédio ardido ou uma surra pra gravar bem o que não se devia fazer, a vontade de continuar tentando continuava. Afinal, por mais que se ralassem os joelhos, sempre havia o bom e velho curativo, band-aid ou esparadrapo com um pedacinho de algodão, que resolvia tudo.


As vezes eu ficava olhando uma cicatriz e me lembrando do que vivi para que aquela marquinha estivesse ali. Não foram poucas as vezes em que senti o calor do momento, ouvi os sons e senti até mesmo o vento soprar comemorando a aventura vivida, o instante desfrutado. Olhando pro curativo no joelho, sentia muitas vezes que cada marca tinha valor, que o preço pago por viver intensamente tinha até sido barato, e que cada cicatriz tinha valido a pena.


Aquelas pequenas coisas da vida eram marcas da atividade, e nos faziam sentir a dor da atitude, da ação e da realização. Quando a gente cresce, as marcas diminuem e os joelhos ralados começam a ser substituídos por corações pesarosos, consciências pesadas, mentes cansadas. A dor física da atividade pouco a pouco se torna a dor física da inatividade (joelhos doloridos por fala de exercício, costas que doem pela acomodação imprópria na cadeira do escritório) e é acompanhada pela dor emocional, oriunda da frustração ou de outros sentimentos e sensações parecidas...


Mas para estes cortes e dores é bem mais díficil arrumar um curativo. Porém, em uma coisa os ferimentos de dentro de parecem com os de fora. Nunca foram impecilhos pra continuar a fazer. Assim como joelhos ralados não nos impediram de continuar correndo livres quando crianças, corações feridos não devem nos impedir de continuar amando.


Insisto na questão da infância porque é o melhor caminho de recuperação da essência. Precisamos continuar a ralar os joelhos em todos os sentidos se isso significa continuar vivendo, crescendo e fazendo diferença, nem que seja somente na nossa própria vida a princípio. Seria muito bom se tivéssemos uma enorme coleção de "consequências" por fora e por dentro, pra nos mostrar as muitas aventuras que vivemos, com recordações vívidas que nos façam desfrutar de novo cada dia glorioso do passado, e que nos façam sonhar com novas aventuras futuras. Veremos que um bom band-aid pode nos colocar de novo em forma, e que joelhos ralados serão um preço pequeno por tudo que a vida em essência oferece.


De novo uso a sabedoria do apóstolo Paulo, que disse de forma muito profunda, e muito mais direta, o valor de nossas marcas deixadas pelas coisas da vida. Quando ele percebeu o quanto desfrutava da vida em Cristo, da vida em essência, exclamou para os cristãos da Galácia quando falava daquilo que realmente importa: "Quanto ao mais, ninguém me moleste; por que eu trago no corpo as marcas de Jesus" - Gálatas 6:17. Pense nisto.


Um comentário:

Cleudiane Santos disse...

Também tenho algumas "consequências", ela mostram que também vivi. Errei muito, mas ao olhar para cada marca me lembro do que não devo mais fazer... E do amor que Deus tem por nós... Antes pedia ao Senhor para não permitir que minhas filhas sofressem, mas meus olhos se abriram a algum tempo. Se não sofrerem nada agora, como poderão ter "anticorpos" suficientes mais tarde? Deus é o máximo, como é sábio! Quero continuar olhando as marcas que ele me deixou e lembrar que marcas ainda mais poderosas estão em suas mãos... E são impagáveis e inapagáveis...