terça-feira, 28 de abril de 2009

Essência


Feche seus olhos e use sua memória. Procure lembrar um dia em que você nem ao menos sentiu o tempo passar de tão envolvido com alguma atividade. As horas voaram, e quando você se deu conta, até lamentou que o dia tivesse acabado. Você ficou satisfeito com o que fez, e sentiu-se muito bem...


Que tipo de atividade era esta? Era o seu trabalho? Era uma pesquisa da escola ou faculdade? Era um projeto pessoal? O que havia de especial nele? O que pode ser comparado com essa sensação gostosa de não ver as horas passarem e não sentir o dia acabando, estando completamento absorvido pelo que se está fazendo, que explique o porque disso?


Quando me faço estas perguntas, o melhor exemplo em que consigo pensar é no tempo da infância, no tempo do brincar. Nas férias da escola, assim que o sol nascia, eu já estava pronto para o dia. Eu praticamente amanhecia na porta dos colegas de brincadeira, depois de desejar ardentemente que a noite passasse logo.


A brincadeira era tão envolvente que não sentíamos fome. As mães, pelo meio do dia, apareciam nos portões e janelas gritando por nós. Era isso o que nos trazia de volta à realidade. E era mesmo a contra gosto que íamos para o almoço.


Comida engolida, lá estávamos de novo. Correndo, jogando e brincando de forma tão intensa que as pancadas, cortes e arranhões não eram sentidos ou percebidos até a hora do banho, já a noite, só depois de novos gritos nos portões nos alertando para o adiantado da hora. E mesmo a noite, estando cansados, já começava a ansiosa espera por um novo dia de brincadeiras.


Havia um encantamento no brincar. Era isto o que os motivava e nos mantinha vibrantes, entusiasmados, alegres. Apareciam obstáculos, mas eles eram vencidos rapidamente para que o objetivo de brincar fosse alcançado. Se fosse a proibição de um pai, lá estávamos em comissão para negociar. Se era a falta de um brinquedo, inventávamos outro. Se chovia, a garagem de alguém se convertia em quadra, campo ou outra coisa que a imaginação ordenasse. Se era uma tarefa a ser feita, ou a fazíamos a todo vapor ou dávamos um jeito de fazer depois. Às vezes nós até fazíamos um mutirão pra liberar logo um colega mais atarefado... E mais do que isso, muitas vezes as tarefas se convertiam em brincadeira, e eram feitas com satisfação e mais uma vez sentíamos o tempo voar, num exercício gostoso de fazer o que se gosta e aprender a gostar do que se faz.


Se a brincadeira era algo que exigia gastos, porque não vender doces, juntar latinhas, pedir aos pais? Se uma mãe mais rigorosa exigia boas notas para liberar a brincadeira, estudávamos. Nada era obstáculo grande o suficiente para nos separar daquilo que queríamos.


O encantamento não vinha das brincadeiras. Em sim mesmas, eram simples e muitas vezes repetidas. E não havia um lugar mágico onde brincávamos, como a Terra do Nunca, de Peter Pan. Brincávamos na rua, em um lote vazio ou no quintal de casa.


O encantamento vinha de nós mesmos. O segredo de obter imensa satisfação, máximo contentamento e envolvimento total com as coisas mais simples, vivendo plenamente o presente sem fantasmas do passado e sem preocupações futuras era simplesmente o fato de sermos crianças!


Sentíamos da maneira como sentíamos porque éramos inteiramente o que nascemos para ser e fazíamos o que adorávamos fazer. Aquilo era algo que nos era próprio, então vivíamos com alegria porque vivíamos em harmonia com nossa essência.


É uma dolorosa constatação que fazemos do fato de que a maioria de nós não vive mais este encantamento. Em um determinado ponto do caminho perdemos contato com nossa essência. Começamos a estudar matérias que não nos atraem, a fazer coisas que nos são impostas e que tomam todo o tempo, a conviver com a escassez de trabalho (já que as brincadeiras eram abertas a todos) , com a responsabilidade e com a agenda cheia. Tudo isso, apesar de não ser de todo mal, nos faz perder aquele sentimento de satisfação. Ao invés do tempo voar e do espírito ficar satisfeito, as horas se arrastam e o corpo cansado experimenta sentimentos de frustração.


De certa forma, as responsabilidades da vida adulta e as poucas alternativas acabam por condicionar nosso comportamento, nossas escolhas e nossa conduta. O ideal seria que esse condicionamento não nos furtasse a alegria espontânea e que não nos fizesse esquecer o que realmente somos e gostamos. O ideal seria temperar nosso contidiano com o doce sabor da vida e com o aroma perfumado de nossa essência.


Para que nosso trabalho tenha o mesmo encantamento que tinham as brincadeiras da infância, precisamos recuperar a vida com essência. Precisamos aplicar o que temos de melhor nas tarefas que temos pela frente e buscar, de algum modo, fazer o que fomos criados para fazer, o que nos dá prazer. Podemos não trabalhar com algo diretamente ligado a nossa essência, mas podemos usar o poder de nossa essência naquilo em que trabalhamos, aprendendo a não só fazermos o que gostamos, mas a tornar gostoso aquilo que fazemos.


Precisamos aprender a redescobrir nossa essência, olhando para nós mesmo DE UMA OUTRA FORMA, para que tenhamos relacionamentos vibrantes, dias alegres, para produzir resultados, para obter sucesso e prolongar o prazer de nossas realizações.

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