sábado, 21 de junho de 2014

Ficando pobre


As madrugadas insones são boas, ao menos, para a reflexão. Com olhos abertos no escuro do quarto, ouvindo sons distantes, levei um pequeno susto com o som da geladeira, aparecendo do nada, resultado daquele ciclo de liga/desliga. Em função disto, talvez por não estar pensando em nada muito efetivo, comecei a listar as coisas que tenho em casa, iniciando pela geladeira, claro. Foi assim que comecei mais uma reflexão das madrugas, pensando em como me empobreci no decorrer dos anos.

Listei meus pertences mentalmente, e me vi reduzido a proprietário de alguns poucos bens. Alguns já bem usados, outros mais novos, embora não totalmente pagos. Um carro na garagem (financiado), uma geladeira e um fogão. Um sofá e uma TV, um aparelho muito simples de DVD. Uma mesa com quatro cadeiras, duas camas e muitos livros. Está aí um resumo da minha "riqueza". Ao comparar isso com o que eu tinha antes, a realidade de minha pobreza pesou sobre mim de uma maneira avassaladora.

No passado eu tinha uma frota de carros, todos meus, nenhum deles financiados. Tinha carros esportivos, modelos mais convencionais e alguns bem antigos, verdadeiras peças de colecionador. Tive também alguns caminhões, três grandes ônibus e o luxo de ter quatro ou cinco tratores que, vez ou outra, utilizava em minhas construções.

Tive  prédios inteiros de escritórios e fábricas das mais diversas áreas da produção. Cheguei até mesmo a ter uma fábrica de robôs mega modernos. Mais de uma vez tive barcos e lanchas à minha disposição, e fazia viagens inusitadas, sem me preocupar com distância, recursos, pacotes turísticos ou dia de voltar. Participava de corridas com minhas lanchas e também mergulhava, fazia esqui e pescava peixes enormes.

Perdi a conta de quantas fazendas tive. Mas me lembro perfeitamente dos meus aviões e helicópteros e que uma vez utilizei vários deles para transportar meu gado. Eu tinha um verdadeiro exército de vaqueiros também. E quando mudava minha fazenda de lugar, levava junto as casas e até as árvores.

Tive foguetes interplanetários, um castelo com fosso, cavalos que voavam, submarinos, e até fui rei. Explorei minério em outros planetas, tive postos de gasolina e estações de trem. Fui presidente e imperador. Em meu vasto império eu colecionava diamantes e tinha minhas florestas e lagos particulares. Eu era realmente e verdadeiramente muito rico.

Toda esta incontável riqueza ficava guardada no meu quintal. Uma boa parte em algumas caixas de brinquedos que eu colocava debaixo da cama. A maior parte, porém, ficava bem escondida na mente de um garotinho de olhos verdes, bochechas rosadas e tanta inocência que dava dó... Andava de pé no chão, morou em um barracão de 3 cômodos, e brincava nas ruas de terra do bairro onde morava, que ainda não tinha rede elétrica, água encanada ou rede de esgoto. Um garotinho de família humilde, que ficava com o rosto sujo pela fuligem da lamparina de querosene, e que “escutava” os desenhos preferidos da TV colando o ouvido na parede da casa vizinha. Realmente eu era um garotinho sem muitos recursos, mas extremamente rico. Por volta dos 15 anos de idade, infelizmente, comecei a perder tudo...

Você, lendo estas linhas, pode até pensar que isto não passa de uma brincadeira, mas é sério. A sensação de riqueza que eu sentia era muito real. Me faziam muito bem minhas posses de mentirinha, meus carros e aviões. Eu verdadeiramente viajava pelo mundo, explorava minas, pilotava navios e naves espaciais. As imagens da minha mente infantil eram muito mais nítidas do que aquelas que vejo na TV de alta definição que tenho na sala e ainda não terminei de pagar. Nas riquezas sem fim de minha imaginação eu angariava alegria verdadeira, sorrindo e me divertindo profundamente com meus caminhões de lata, com meus exércitos de carretel de linha. E como eu me sentia plenamente realizado quando via brotar meus pés de feijão e milho, cultivados por meus fazendeiros de plástico e regados com a água tirada da cisterninha feita de latas de óleo de soja enterradas no quintal.

Naquela época eu era próspero na confiança que tinha em mim mesmo. Realizava meus sonhos de uma forma que só meus infinitos recursos podiam pagar. Era pleno em autoestima, e me sentia inteligente e capaz. Não fazia a menor ideia de que eu me compararia com outros no futuro para tentar medir minha “grandeza”... Quando a gente faz uma coisa desta é que começa a ficar pobre.

Eu, enquanto garotinho que vivia no quintal, era farto em coragem. Lutei muitas vezes com tigres, leões e dinossauros assustadores. A riqueza de minha imaginação permitiu que meu cachorro interpretasse com maestria cada um destes enormes animais. Rico como era, eu esbanjava ousadia e determinação. A palavra desistir não era conhecida e o deixar pra depois servia apenas para o ato de almoçar ou tomar banho depois de um dia de brinquedo da terra ou entre as árvores (muitas vezes em cima delas...).

Meus cofres, assim como a caixa forte do Tio Patinhas, estavam abarrotados de paciência. Minha riqueza de mentira me proporcionou a obtenção de qualidades de verdade, tais como o gosto pelo estudo (quando eu era um renomado cientista que explorava outros planetas), a solidariedade (quando eu era imperador e dividia minha enorme colheita de frutos com os imperadores vizinhos, também conhecidos como colegas) e a empatia (quando meu amigo perdeu sua nave espacial, que era a árvore em que subíamos para viajar ao espaço e foi cortada de seu quintal...).

E assim, o pequeno bilionário que habitava mansões feitas de caixas de papelão, tinha muitas jóias raras como coragem e otimismo, e brilhantes fabulosos como consideração e carinho pelos outros, além de uma pérola valiosa ao extremo, chamada SATISFAÇÃO.

Entre os 18 e 20 anos eu já não era tão rico... Assim que a riqueza material começou a se insinuar e a busca por aquilo que “é de verdade” no mundo adulto começou a ganhar força fui ficando mais pobre de coragem, de ousadia, de criatividade... Minha fortuna de autoestima diminuiu drasticamente. Já não sou mais tão determinado, há muito não sei o que é desfrutar de um passeio no meu carro de verdade sem pensar no desgaste das peças e no preço da gasolina...

Triste esta realidade de ir ficando mais pobre a cada dia... Hoje de madrugada vasculhei meus cofres e só consegui encontrar uma moeda. Parecia uma daquelas bem antigas, que os exploradores do fundo do mar encontram em navios naufragados. Esta moeda tem cunhado em um dos lados a palavra EXPERIÊNCIA.

Olhando DE UMA OUTRA FORMA para minha única moedinha “de mentira” , alimentei uma esperança em meu coração. Pensei, durante as horas da madrugada, enquanto minha esposa e filho dormiam, que talvez eu pudesse comprar um pouco de sabedoria divina, para que o pobre homem que me tornei pudesse recuperar sua fortuna.

Se você tem sentido que está ficando pobre, assim como eu, procure a última moeda em seu cofre. Faça com ela o investimento da sabedoria. Creio que a vontade de Deus para nós é que todos sejamos abundantemente abastados, principalmente daquela “riqueza de mentirinha” de que tanto precisamos. Ela faz parte da promessa de Deus pra nós. Pense nisto.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

COMO VOU AMAR MEU FILHO



É fascinante a energia e a curiosidade vibrante de um garotinho de pouco menos de 2 anos de idade. O ritmo com que aprende é fantástico! Basta que ele observe uma vez, e já sabe como ligar e desligar a TV, como acender luzes, que seu suco fica na geladeira, que a chave que tilinta é sinal que alguém vai sair... Ele conhece seus desenhos preferidos pela voz de um personagem, e ao ouvi-la, vem correndo e gargalhando do quarto. Ainda não fala muito, mas seu pequeno vocabulário, composto de  mamã, papá, dááá e neném, dizem muito. Ele já entende tudo o que pedimos, e de uma maneira incrível, nos surpreende a cada dia.

Resumindo: sou um pai apaixonado, coruja e preocupado... Minha preocupação nasce, paradoxalmente, da mesma fonte que minha fascinação. A vivacidade, curiosidade e energia de meu pequeno também já lhe mostraram que existe o recurso da pirraça para ser usado quando algo lhe é negado, e que há um limite em que ele pode nos testar. As zangas, os “não pode”, os castigos de 2 minutos no tapete do quarto não são completamente eficazes...

Quero que meu filho seja obediente. Quero que seja bom. Quero que ela saiba respeitar, compartilhar, ser simpático e amistoso. Nenhum pai quer um filho desobediente e mimado. Embora eu conheça muita teoria sobre o que fazer para criar um filho resiliente e estudioso, e tenha uma enorme lista de práticas e ações educacionais que podem ser aplicadas para este fim, ainda assim me preocupo. Os anos vividos no trabalho com crianças e adolescentes, com famílias e com escola me mostraram que a aplicação de princípios e que o hiato entre teoria e prática são fatores complexos.

Não quero que meu filho me obedeça por medo de um castigo ou até mesmo de uma palmada. Não digo a ele que existem monstros ou bichos no quarto escuro, ou que o senhor que caminha na praça pela manhã vai pegá-lo ou coisas do tipo, apenas para garantir um comportamento forçado. Quero sua obediência e bom comportamento em minha presença e muito mais na minha ausência. Desejo ardentemente que ele seja bom, não por medo e nem por recompensa, mas por essência...

Então, por desejar tudo isso, decidi amá-lo. Pode parecer um pouco estranho a declaração de “decidir” amar um filho, por que afinal isto deveria ser espontâneo, natural e instantâneo. Mas não é a um filete de sentimento de aceitação, a um brilhar nos olhos ao ver a criaturinha linda bocejar e nem a um encantamento por saber que aquele serzinho é sangue de seu sangue que caracterizam o amor a que me refiro. A fé cristã e a pesquisa bíblica me ensinaram que o amor verdadeiro deve ultrapassar a questão do sentimento e se manifestar em ações, em prática, em doação pessoal e em justiça. Então decidi amar meu filho nestes termos, e realmente fazer algo significativo e profundo para que ele se torne a pessoa boa que meu coração de pai deseja.

E quero partilhar esta reflexão e a decisão de viver um amor de mangas arregaçadas com aqueles que são pais e mães tão apaixonados e preocupados quanto eu. Peço que me acompanhem na apresentação dos passos que decidi dar, e os convido a fazer o mesmo. Como pai, eu decidi:

     Demonstrar, da forma mais clara possível, meu amor. Meu filho será abraçado, beijado, ajudado, amparado e ouvido sempre. Minha família será prioridade. Seu dedinho ferido nunca será menos importante do que a leitura de um jornal ou a conversa que eu estiver tendo. Seu desconsolo por um brinquedinho quebrado nunca será considerado menor do que o meu por uma conta vencida ou por um arranhão na pintura do meu carro. 

Passar tempo com minha família. Meu trabalho, apesar de minha responsabilidade e de minha realização ao executá-lo, não ocupará o tempo que vou dedicar aos meus amados. Vamos almoçar juntos, brincar, rolar no tapete da sala, nos aventurar em cavernas imaginárias feitas de lençóis, correr na praça, escorregar na grama, jogar futebol, assistir a desenhos engraçados e bons filmes que nos façam pensar. Vamos viajar, andar de bicicleta, ira festas e participar de pic-nics, gincanas e acampamentos. Meu filho e minha esposa não serão privados de minha presença.

     Vou ouvir meu filho. Nenhuma história, nenhum relato, nenhum acontecimento de seu dia deixará de ter importância para mim. Vou procurar ouvir com qualidade até o que é dito de forma desprendida, na voz arfante depois de uma corrida, ou em meio as gargalhadas em uma guerra de travesseiros. Vou ouvir o que ele gosta e não gosta, com o que ele sonha e aquilo que o preocupa. Meu esforço em ouvir será para conhecê-lo da forma mais íntima, profunda e amorosa que consiga alcançar. Vou guardar em meu coração seus ideais infantis e orar para que sejam as realizações de um adulto maduro e integro.      

         Vou falar. A missão de ensinar sobre as coisas mais importantes da vida é um privilégio que vou lutar para manter. Quero me assentar debaixo de uma árvore com minha família e contar as minhas aventuras de infância. Falar de meus sonhos, de meus amigos, de meus projetos e principalmente das verdades e princípios que orientam minha vida. A responsabilidade de ensinar o certo e o errado é algo de que não vou abrir mão. Falar sobre os fatos da vida, os perigos do caminho, a força da paixão, a emoção do primeiro amor, o peso das consequências e o brilho da conquista será um compromisso meu, que será cumprido em um misto de alegria e prazer. 

        Vou ser paciente. Tendo consciência plena de que o aprendizado envolve tempo, sei que meu filho vai errar. As escolhas nem sempre serão as  melhores, as tarefas nem sempre serão feitas, e que suas palavras nem sempre serão bem escolhidas. Sei que algumas coisas serão perdidas e outras quebradas, mas nenhum objeto, móvel ou dinheiro será mais valioso que meu filho. Minha voz será firme ao mesmo tempo que branda. Não quero e não serei um pai que grita. Vou andar no passo de meu filho e vou dar tempo para que ele experimente a vida, sinta os sabores e vivencie os acontecimentos. Seu aprendizado será certo, e seus erros serão degraus. Nada será traumático em nossa relação, por que, pela graça de Deus, serei paciente.

      Vou corrigir. Passos errados devem ser corrigidos. Serei um pai atento, que chamará o pecado pelo nome. Cada ação indevida, cada palavra inapropriada, cada ato de rebeldia, cada pequeno gesto que possa alimentar traços indesejáveis de caráter será considerada. Meu filho terá da minha mão a correção devida. Ele conhecerá os porquês, ouvirá das consequências de um caminho errado, terá a oportunidade de reconhecer seus erros e pagará o preço deles. Serei um pai que disciplina com amor, e que se preocupa com a formação completa de seu filho. Corrigirei eu, para que outros não precisem corrigir. 

     Vou dividir minha vida com ele. Cada sonho, cada anseio e cada problema. Não serei o homem trancado em si mesmo, que julga ter cumprido sua missão ao suprir as necessidades ou em pagar as contas do mês. Ele saberá das minhas alegrias e tristezas, das minhas conquistas, das minhas preocupações, de meus problemas. Ele poderá e deverá participar da resolução dos problemas da família. Meu filho conhecerá minha história e nem mesmo os meus erros serão escondidos. Não quero que em algum dia, ele chegue em casa, decepcionado, por ter descoberto algo sobre seu pai através de outras pessoas. Meu filho vai me conhecer, integralmente. Não posso admitir nenhum traço de estranheza entre nós. Ser transparente faz parte do meu compromisso de amor com meu filho.

8    Vou proteger minha família. E vou fazer isso com todas as minhas forças. Não posso evitar que minha esposa ou meu filho sofram, mas posso estar com eles em cada momento, abrandando a dor. Não posso prendê-los em casa, mas posso estar com eles no caminho. Vou acreditar em suas palavras e valorizar seus feitos. Vou defendê-los sempre que forem injustiçados. Minha voz vai ser ouvida em sua defesa, e eles não estarão sozinhos. Assim como aprendi de Jesus, estou disposto a dar a vida em defesa deles. Meu compromisso envolve trabalho duro e consciente para que eles tenham sempre um lugar seguro e condições dignas para viver.

      Vou me deixar ser amado por meu filho. Não vou me defender das demonstrações de amor. Sejam beijos melados (enquanto ele está disposto a ofertá-los) ou abraços apertados dados com mãos sujas. Vou receber seus presentes com alegria esfuziante.  Eu não terei medo de ouvir conselhos que ele possa me dar em sua sabedoria, e nem vou me fechar a reprimendas quando eu errar. Vou aceitar colo, cafuné e tapinhas nas costas. Vou pedir abraços na mesma proporção em que os der. Me fará um bem enorme ouvir um ‘eu te amo, pai’, e vou anunciar em bom som minhas saudades...

Vou libertar. Inevitável será que meu filho trilhe caminhos de independência, que tenha seus lugares e seus momentos. Ele vai precisar de espaço, e eu preciso me comprometer a oferecer isso a ele. Não vou sufocar meu filho em meus cuidados, e nunca exigir a exclusividade em seu coração. Depois de todo o esforço e de todas as orações para o tornarem bom, meu trabalho de pai amoroso envolve a tarefa de deixar que esta bondade seja sentida por outros. Ele terá seus melhores amigos, seus professores preferidos, seus parceiros e também encontrará a pessoa com quem dividirá a vida. Meu compromisso inclui aceitar o fato inevitável de que não serei único na vida de meu filho.


Com o passar do tempo, talvez esta lista incorpore um ou outro detalhe, mas entendo que estes 10 pontos são essenciais para que meu amor seja expresso de forma correta e, mais do que isso, torne meu filho em alguém que se compraz com o que é correto. Sei que vou errar, mas meu compromisso inclui retomar sempre estes passos. Tenho o sentimento de que vou ser interrompido muito antes de uma obra completa, pois temos um tempo contado neste mundo. Sendo assim, não posso deixar um compromisso como este para depois. Ele começa de forma imediata, a cada novo dia, a cada oportunidade.

Minha decisão envolve amar com tal intensidade, de forma tão profunda, perceptível, honesta e intensa, que meu amor desperte a reciprocidade. Meu filho vai ser bom e obediente por se sentir amado e me amar também, e por saber que seus atos de bondade, equilíbrio e retidão me farão feliz. Acho que  é assim (na medida perfeita) que Deus nos ama, não é? Pense nisto.