Meus olhos brilham a cada sorriso
dele. Eu, que sempre fui muito cuidadoso e zeloso de minhas coisas, acho graça
quando ele joga um livro no chão, quando coloca as mãos meladas no sofá, ou
quando coloca as mãos no controle da TV e, antes de tirá-lo do lugar, olha pra
mim, esperando que eu diga NÃO, só pra sorrir e pegar o controle assim mesmo. Não
deixo o ato de afronta sem correção, e coloco no tom de voz uma zanga que lhe
mostra que não deve fazer, mas mesmo com a zanga ensaiada e a cara de bravo fingida
que faço, meu coração quase se parte ao contemplar seu rostinho sério fitando o
pai e buscando o grandão brincalhão que rola com ele no tapete emborrachado. Os
gritinhos e palavrinhas sem nexo, desprendidas com um olhar firme e meigo ao
mesmo tempo, não me dizem muita coisa, mas pra ele parecem ter um significado
profundo. Ele me inspira, me motiva, me conforta, e me preocupa...
Ele não se ocupa dos anseios que
a maioria de nós carrega no peito. Só dá atenção para aquilo que ele julga
atrativo e importante. Tem uma determinação soberba e seus passinhos vacilantes
e repentinas quedas parecem não incomodar. Ele inventa gestos, toma nas mãos
tudo o que está ao alcance, olhando com atenção. Algumas coisas ele joga de
lado e não procura mais, outras ele carrega consigo para todos os lugares, e as
procura novamente com zelo e insistência, reclamando do seu jeito quando nós,
os grandes, escondemos dele aquilo que ele gosta mas que julgamos perigoso ou
inadequado.
Meu pequeno filho é uma fonte
constante de alegria e emoção. Ele nos leva facilmente das gargalhadas às
lágrimas com um som, um sorriso ou um gesto simples, como correr (e já é correr
mesmo, literalmente) para a porta quando me ouve chegar e tilintar as chaves de
casa.
Outro dia ele se machucou. Ele não
admite mais engatinhar, e isso faz com que ele caia de vez em sempre. Neste
dia, bem pertinho do pai e da mãe, ele caiu de costas, e suas perninhas atingiram
a quina de um móvel. Ele caiu, vimos sua expressão de susto e dor, e ele saiu
tão rápido, engatinhando sentido, como que buscando alívio pra algo que ele não
entendia, que o surpreendeu e que o fez sentir-se mal... O instinto protetor
nos impeliu pra ele com urgência e um outro tipo de dor: a dor de coração. A
mãe e eu o envolvemos, acariciamos, sussurramos nosso carinho em seu ouvido,
afagamos seus cabelos e o aconchegamos com todo o cuidado.
Foi apenas um tombo, apenas um
susto. Nenhum corte, nenhuma mancha roxa, nenhum galo na testa. A dorzinha dele
se materializou em lágrimas e foi expulsa pelos olhinhos redondos, garantindo
que em poucos minutos ele estivesse de novo experimentando sua corrida, e perto
do mesmo móvel outra vez...
Não falamos “móvel feio, feio...”
e não vamos tirar o tal móvel de casa. Não atribuímos culpa ao seu descuido,
não vamos proibi-lo de andar pela sala e nem de explorar os outros cômodos com
seus passos curiosos. No momento da dor (dele e nossa) nós apenas o acolhemos. Apenas
deixamos ele sentir que estávamos ali, compartilhando tudo. Presentes,
interessados, afligidos pela angustia dele e molhados pelas lágrimas que ele
derramava. De alguma maneira, mesmo que ele não entenda, queríamos mostrar
nosso amor não o abandonaria, que haveriam outros momentos de dor (bem maiores,
talvez) e que nossa fé e crença nos conduziriam, na plenitude do tempo de Deus,
a um mundo renovado, sem arestas e quedas dolorosas.
As marquinhas vermelhas em suas
perninhas me revelaram mais uma dimensão do meu amor de pai, que a cada dia se
revela maior do que eu podia imaginar. Olhando meu pequeno ali, no colo da mãe,
dolorido e ressentido pelo tombo, não pude deixar de pensar em como fui incapaz
de impedir que ele se ferisse, e da dura realidade de que não posso consertar o
mundo em que ele vai viver.
Não pude deixar de pensar em como
o coração de Deus doeu quando viu seu filho na cruz, e por amor não pode
impedir. Não posso deixar de pensar no Deus poderoso nos acolhendo,
acariciando, sofrendo junto, compartilhando a dor que cada queda nossa nos
provoca. Nossos passos vacilantes em um mundo de pecado, cheio de quinas e
arestas, nos ferem. Corremos, assustados e surpresos, sentindo a dor queimar, e
é muito triste perceber que muitos não conseguem sentir os braços do Pai, e
apenas se encolhem em algum canto esperando a dor passar...
As marquinhas vermelhas nas pernas
de meu filho já sumiram, mas parece que elas nunca irão sair do meu coração. De
algum modo eu sei que, quando ele for grande também, homem feito e forte, eu sempre
sentirei a sua dor, anseio e medo. Ele não se lembrará, mas eu terei em mim
cada dor que ele sentiu, cada queda que sofreu, cada lágrima que derramou e vou
experimentar o conforto de saber que eu estava lá sempre que ele precisou,
mesmo que não podendo impedir a dor, mas aconchegando, apertando junto ao peito
e chorando junto.
As marquinhas vermelhas de suas
pernas sumiram, mas com certeza nunca saíram do meu coração. Com elas entendi,
DE UMA OUTRA FORMA, porque Jesus escolheu levar pra sempre as marcas de nossas
quedas em suas mãos: nossos corpos não terão mais as marcas de nossas quedas,
pois seremos perfeitos na nova terra, mas o amor que nos aconchegou em cada
momento de dor e que nos arrancou do mundo imperfeito de pecado estará
simbolizado eternamente nas mãos que teremos o imenso privilégio de segurar. Pense
nisto.
Um comentário:
Lindo e profundo. Que Deus continue abençoando você e sua família Claudio.
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