domingo, 17 de fevereiro de 2013

Marquinhas Vermelhas


Meus olhos brilham a cada sorriso dele. Eu, que sempre fui muito cuidadoso e zeloso de minhas coisas, acho graça quando ele joga um livro no chão, quando coloca as mãos meladas no sofá, ou quando coloca as mãos no controle da TV e, antes de tirá-lo do lugar, olha pra mim, esperando que eu diga NÃO, só pra sorrir e pegar o controle assim mesmo. Não deixo o ato de afronta sem correção, e coloco no tom de voz uma zanga que lhe mostra que não deve fazer, mas mesmo com a zanga ensaiada e a cara de bravo fingida que faço, meu coração quase se parte ao contemplar seu rostinho sério fitando o pai e buscando o grandão brincalhão que rola com ele no tapete emborrachado. Os gritinhos e palavrinhas sem nexo, desprendidas com um olhar firme e meigo ao mesmo tempo, não me dizem muita coisa, mas pra ele parecem ter um significado profundo. Ele me inspira, me motiva, me conforta, e me preocupa...

Ele não se ocupa dos anseios que a maioria de nós carrega no peito. Só dá atenção para aquilo que ele julga atrativo e importante. Tem uma determinação soberba e seus passinhos vacilantes e repentinas quedas parecem não incomodar. Ele inventa gestos, toma nas mãos tudo o que está ao alcance, olhando com atenção. Algumas coisas ele joga de lado e não procura mais, outras ele carrega consigo para todos os lugares, e as procura novamente com zelo e insistência, reclamando do seu jeito quando nós, os grandes, escondemos dele aquilo que ele gosta mas que julgamos perigoso ou inadequado.
Meu pequeno filho é uma fonte constante de alegria e emoção. Ele nos leva facilmente das gargalhadas às lágrimas com um som, um sorriso ou um gesto simples, como correr (e já é correr mesmo, literalmente) para a porta quando me ouve chegar e tilintar as chaves de casa.

Outro dia ele se machucou. Ele não admite mais engatinhar, e isso faz com que ele caia de vez em sempre. Neste dia, bem pertinho do pai e da mãe, ele caiu de costas, e suas perninhas atingiram a quina de um móvel. Ele caiu, vimos sua expressão de susto e dor, e ele saiu tão rápido, engatinhando sentido, como que buscando alívio pra algo que ele não entendia, que o surpreendeu e que o fez sentir-se mal... O instinto protetor nos impeliu pra ele com urgência e um outro tipo de dor: a dor de coração. A mãe e eu o envolvemos, acariciamos, sussurramos nosso carinho em seu ouvido, afagamos seus cabelos e o aconchegamos com todo o cuidado.

Foi apenas um tombo, apenas um susto. Nenhum corte, nenhuma mancha roxa, nenhum galo na testa. A dorzinha dele se materializou em lágrimas e foi expulsa pelos olhinhos redondos, garantindo que em poucos minutos ele estivesse de novo experimentando sua corrida, e perto do mesmo móvel outra vez...

Não falamos “móvel feio, feio...” e não vamos tirar o tal móvel de casa. Não atribuímos culpa ao seu descuido, não vamos proibi-lo de andar pela sala e nem de explorar os outros cômodos com seus passos curiosos. No momento da dor (dele e nossa) nós apenas o acolhemos. Apenas deixamos ele sentir que estávamos ali, compartilhando tudo. Presentes, interessados, afligidos pela angustia dele e molhados pelas lágrimas que ele derramava. De alguma maneira, mesmo que ele não entenda, queríamos mostrar nosso amor não o abandonaria, que haveriam outros momentos de dor (bem maiores, talvez) e que nossa fé e crença nos conduziriam, na plenitude do tempo de Deus, a um mundo renovado, sem arestas e quedas dolorosas.

As marquinhas vermelhas em suas perninhas me revelaram mais uma dimensão do meu amor de pai, que a cada dia se revela maior do que eu podia imaginar. Olhando meu pequeno ali, no colo da mãe, dolorido e ressentido pelo tombo, não pude deixar de pensar em como fui incapaz de impedir que ele se ferisse, e da dura realidade de que não posso consertar o mundo em que ele vai viver.

Não pude deixar de pensar em como o coração de Deus doeu quando viu seu filho na cruz, e por amor não pode impedir. Não posso deixar de pensar no Deus poderoso nos acolhendo, acariciando, sofrendo junto, compartilhando a dor que cada queda nossa nos provoca. Nossos passos vacilantes em um mundo de pecado, cheio de quinas e arestas, nos ferem. Corremos, assustados e surpresos, sentindo a dor queimar, e é muito triste perceber que muitos não conseguem sentir os braços do Pai, e apenas se encolhem em algum canto esperando a dor passar...

As marquinhas vermelhas nas pernas de meu filho já sumiram, mas parece que elas nunca irão sair do meu coração. De algum modo eu sei que, quando ele for grande também, homem feito e forte, eu sempre sentirei a sua dor, anseio e medo. Ele não se lembrará, mas eu terei em mim cada dor que ele sentiu, cada queda que sofreu, cada lágrima que derramou e vou experimentar o conforto de saber que eu estava lá sempre que ele precisou, mesmo que não podendo impedir a dor, mas aconchegando, apertando junto ao peito e chorando junto.

As marquinhas vermelhas de suas pernas sumiram, mas com certeza nunca saíram do meu coração. Com elas entendi, DE UMA OUTRA FORMA, porque Jesus escolheu levar pra sempre as marcas de nossas quedas em suas mãos: nossos corpos não terão mais as marcas de nossas quedas, pois seremos perfeitos na nova terra, mas o amor que nos aconchegou em cada momento de dor e que nos arrancou do mundo imperfeito de pecado estará simbolizado eternamente nas mãos que teremos o imenso privilégio de segurar. Pense nisto.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Parece com o que é

Muitas pessoas usam a frase "não é tão ruim como parece" na tentativa de consolar alguém que está passando por uma situação difícil, e muitos outros a dizem para si mesmos numa tentativa de encontrar algo positivo no emaranhado de problemas em que estão envolvidos.
 
Realmente é louvável buscar por uma visão positiva em meio a qualquer período conturbado da vida. Um dose equilibrada de otimismo, uma decisão racional de procurar e encontrar algo bom mesmo em meio aquilo que é ruim é uma atitude que pode ajudar muito. Porém, em alguns casos, se o equilíbrio é esquecido, os pés podem sair do chão e a cabeça pode acabar tocando as nuvens de negação dos fatos.
 
E por falar em fatos, muitas vezes os fatos mostram que as coisas realmente são tão ruins como parecem. Nestes casos, uma frase pronta para maquiar a situação não resolve. Um grande problema parece com o que é: algo inesperado, indesejado, inapropriado que surge para roubar o sossego e nos privar de atingir uma meta, de cumprir um prazo, de realizar algo bom e nos impedir de alcançar o sucesso.
 
A ideia de que não devemos atribuir valor demais aos obstáculos e problemas que nos aparecem todos os dias é valiosa, mas pensando DE UMA OUTRA FORMA, usá-los para um bom exercício de avaliação, de constatação e superação é um verdadeiro tesouro. Quando algo estiver realmente ruim, antes de buscar aquela face positiva, que pode se tornar muito difícil de encontrar em algumas situações, talvez pudessemos demorar um pouco mais os olhos no lado negativo e tentar verificar o que aconteceu. Pense comigo, DE UMA OUTRA FORMA sobre a FRUSTRAÇÃO.
 
Quando ficamos frustrados, logicamente entendemos que algo deu errado. A visão "não é tão ruim como parece" pode acabar por ocultar nossa responsabilidade, algo que deixamos de fazer ou que fizemos inadequadamente e que nos conduziu a uma FALHA. Mesmo que existam situações em que realmente não tenhamos feito nada de errado, na maioria das vezes uma situação que causa frustração pode ser resultado direto de nossos atos falhos, impensados ou mesmo de nossa omissão em agir... A primeira coisa que podemos fazer para crescer é considerar nossas falhas e aprender a reconhecer erros, identificar padrões de ação equivocados e mudar a forma de fazer.
 
Estando frustrados, também é normal que nos tornemos REATIVOS. Não é bom adotar uma postura de "a culpa não é minha" e rebater de forma dura todos os comentários, avaliações e críticas que podem chegar até nós. Reagimos mal até mesmo a algumas tentativas de amigos e pessoas próximas de nos consolar em momentos tristes "ninguém pode entender o que estou passando...". Aprender a ser mais proativo é um bom resultado do processo de considerar com cuidado os períodos que são relamente ruins.
 
Algumas fases ruins são completamente vazias. Não ensinam, não mostram um novo caminho e não revelam falhas que possamos consertar. São momentos até "piores do que parecem". Aceitar que o mundo é injusto é o remédio para passar por isso, e tem mais efeito do que o paliativo do "não é tão ruim assim". Procurar UTILIDADE  em tudo pode ser até mais frustrante do que a situação em si.
 
Na frustração tomamos consciência da tristeza. ENTRISTECER-SE é um passo importante para a conversão. Não mudamos nada realmente a não ser quando nos entristecemos de verdade com o que somos ou com o resultado daquilo que estamos fazendo. A coisa mais triste do mundo é não sentir-se triste por nada, pois sem isso não há reconhecimento, nem abandono do erro, nem crescimento ou mudança. Mas somos orientados e condicionados a buscar alegria sempre, de imediato, e por vezes isto nos tem impedido de meditar um pouco quando os momentos tristes nos apresentam temas com os quais devíamos gastar algum tempo...
 
Quando frustrados focamos o que não temos. Na pressa de voltar a sentir-se bem, muita gente que toma a pílula do "não é tão ruim como parece" não considera os espaços vazios que a frustração revela. Claro que devemos aprender a ser gratos pelo que temos e a desfrutar as coisas que consquistamos, mas poderíamos conseguir outras tantas coisas importantes se considerarmos que um problema ou situação ruim "parece com o que é", e vermos ali o que nos falta: atitudes, certas experiências, algumas decisões, formas de fazer diferentes, pessoas... Considerar o que não se TEM é um exercício que momentos de frustração nos ajudam a realizar. Depois, basta coragem e disciplina para buscar preencher espaços vazios.
 
Depois de enteder que falhamos, que não devemos ter reações exageradas e extremamente defensivas, de aceitar a injustiça e a realidade de que certos acontecimentos que trazem dor são simplesmente destituídos de sentido, de saber colher os frutos indicativos da mudança de rumo que a tirsteza pode apontar, e descobrir o que nos falta, o mais lógico a fazer é DECIDIR o que fazer é AGIR com base nesta decisão.
 
A alegria vai retornar. Vitórias irão ocorrer e o sucesso vez ou outra vai brilhar em seu caminho. Gente de todo tipo vai aplaudir seus triunfos e você se sentirá reconhecido. Você vai desfrutar do que tem, sentir-se completo e tudo isso o levará a desejar ser, fazer e ter mais. Estes desejos, ou simplesmente o fato de o mundo ser injusto, podem levar você a outro momento de frustração. Quando isto acontecer pense DE UMA OUTRA FORMA. Aceite que coisas ruins não precisam parecer menos ruins. Uma coisa ou situação ruim parece simplesmente com o que é. Pense nisto.