Não é sensato apontar e julgar as atitudes de outras pessoas. Nem sensato e nem muito correto. Mas posso, com tranquilidade, falar de minhas próprias atitudes contraditórias para ilustrar o que tenho pensado sobre merecimento. Continuo fazendo isso com a imagem da parábola do filho pródigo em mente. Tenho tentado extrair lições desta fantástica história de Cristo DE UMA OUTRA FORMA.
Bom, vamos então falar de minhas atitudes. Basicamente funciona assim: eu sei que podia fazer algo, como um trabalho ou projeto, de forma muito mais envolvente e melhor. Algumas vezes não faço deste modo, mas espero um grande resultado. Mesmo não me envolvendo tanto como podia, fico irritado quando o resultado é inferior às minhas expectativas. E fico assim porque eu simplesmente acredito que mereço um bom resultado independente de qualquer coisa. Eu acredito que mereço que isso aconteça. Simplesmente mereço.
Mereço não ser esquecido. Mereço o melhor lugar. Mereço ser servido primeiro (fila ninguém merece). Mereço também um reconhecimento bem maior pelas coisas que faço. Mereço ganhar mais, trabalhar menos, ter mais alegrias, não ser incomodado, e mereço até mesmo que as pessoas entendam que eu mereço merecer tudo isso.
Afinal, se eu sou bom, mereço o melhor sempre. E é claro, mereço também muitos créditos de confiança quando erro, pois quando isso acontece (eu errar) existem dezenas de justificativas plausíveis para me inocentar do fato. Mereço ser tratado como o injustiçado que não tem culpa nenhuma.
Deixando tudo bem claro: eu mereço muito, mereço o melhor e mereço com urgência. Tudo isso e muito mais deve me ser dado sem tardança porque eu simplesmente sou EU. Pouco me importa que outros também mereçam e que até recebam o que querem, desde que eu receba minha parte, o mais rápido possível, porque a vida é curta e eu mereço desfrutá-la.
Há um pouco de exagero nestas afirmações (ou não), mas gostaria de convidar você a pensar se por acaso não se identifica um pouco com este quadro nada alentador... Eu muitas vezes luto com isso, com estes sentimentos de merecimento exagerado, mas devo reconhecer que muitas vezes me ressinto com o que recebo por achar que mereço sempre muito mais. Eu vejo um quadro muito semelhante na parábola do filho pródigo: uma visão egoísta e urgente de merecimento.
Este tipo de entendimento nos causa problemas tanto no mundo material quanto no espiritual. A beleza da parábola, na forma como foi contada, é que podemos nos enxergar nela e entender para onde este tipo de mentalidade pode nos levar. Entendendo o que se passa com os personagens, podemos aprender algo que nos ajude a escapar desta armadilha de achar que somos mais do que somos e que merecemos sempre o melhor. É uma armadilha perigosa, pois vivemos em um mundo nada justo.
No mundo material, nosso primeiro problema é que não basta acreditar com força que somos merecedores. Para receber qualquer coisa precisamos convencer a todos que somos. E precisamos fazer isso o tempo todo. Isso consome uma energia incrível, porque os argumentos precisam ser muito fortes. E como os melhores argumentos são ações - e ações de envolvimento, determinação e coragem - precisamos nos preparar mais e melhor e apresentar muitos resultados. O problema aumenta, porque se eu julgo que mereço, muita outras pessoas (pra falar a verdade, praticamente todas as outras pessoas) julgam merecer mais do que eu e acabam se esforçando tanto como eu para provar isso. Muitos querendo o que merecem, escassez impedindo que estas expectativas aconteçam...
Alguns, quando não convencem pelos resultados, tomam a força o que desejam. Ninguém podem tirar da cabeça de uma pessoa fascinada pelo próprio sentimento de merecer que ele não tem direito de simplesmente pegar o que é seu, com urgência e paixão. Acredito que este sentimento estava muito presente no filho mais novo, que exigia do pai a parte que ELE TINHA DIREITO.
Já no mundo espiritual, pelo que a Bíblia diz, não precisamos merecer para receber o que Deus quer nos dar. Mas o problema é que muitos de nós simplesmente não aceita isso. Precisamos de alguma maneira entender que somos merecedores. Estender a nós graça e justiça é a fórmula de Deus para nos mudar, de transformar cada um de nós em pessoas melhores através do amor, e quando recusamos receber livre e gratuitamente esse amor, por achar que devemos "merecer", ou melhor, "ter um mérito nosso" para receber paz, alegria e salvação estamos sabotando nosso crescimento e desenvolvimento espiritual. Na verdade não merecemos nada. Pouco importa o que somos, o que fazemos, o que doamos. Não merecemos pelo que somos, mas recebemos pelo fato de Deus ser quem Ele é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário