As madrugadas insones são boas, ao menos, para a
reflexão. Com olhos abertos no escuro do quarto, ouvindo sons
distantes, levei um pequeno susto com o som da geladeira, aparecendo
do nada, resultado daquele ciclo de liga/desliga. Em função disto, talvez
por não estar pensando em nada muito efetivo, comecei a listar as
coisas que tenho em casa, iniciando pela geladeira, claro. Foi assim
que comecei mais uma reflexão das madrugas, pensando em como me empobreci no
decorrer dos anos.
Listei meus pertences mentalmente, e me vi
reduzido a proprietário de alguns poucos bens. Alguns já bem usados, outros
mais novos, embora não totalmente pagos. Um carro na garagem (financiado), uma
geladeira e um fogão. Um sofá e uma TV, um aparelho muito simples de DVD. Uma
mesa com quatro cadeiras, duas camas e muitos livros. Está aí um resumo da
minha "riqueza". Ao comparar isso com o que eu tinha antes, a
realidade de minha pobreza pesou sobre mim de uma maneira avassaladora.
No passado eu tinha uma frota de carros, todos
meus, nenhum deles financiados. Tinha carros esportivos, modelos mais
convencionais e alguns bem antigos, verdadeiras peças de colecionador. Tive
também alguns caminhões, três grandes ônibus e o luxo de ter quatro ou cinco
tratores que, vez ou outra, utilizava em minhas construções.
Tive prédios inteiros de escritórios e fábricas
das mais diversas áreas da produção. Cheguei até mesmo a ter uma fábrica de robôs
mega modernos. Mais de uma vez tive barcos e lanchas à minha disposição, e
fazia viagens inusitadas, sem me preocupar com distância, recursos, pacotes
turísticos ou dia de voltar. Participava de corridas com minhas lanchas e
também mergulhava, fazia esqui e pescava peixes enormes.
Perdi a conta de quantas fazendas tive. Mas me
lembro perfeitamente dos meus aviões e helicópteros e que uma vez utilizei
vários deles para transportar meu gado. Eu tinha um verdadeiro exército de
vaqueiros também. E quando mudava minha fazenda de lugar, levava junto as casas
e até as árvores.
Tive foguetes interplanetários, um castelo com
fosso, cavalos que voavam, submarinos, e até fui rei. Explorei minério em
outros planetas, tive postos de gasolina e estações de trem. Fui presidente e
imperador. Em meu vasto império eu colecionava diamantes e tinha minhas
florestas e lagos particulares. Eu era realmente e verdadeiramente muito rico.
Toda esta incontável riqueza ficava guardada no
meu quintal. Uma boa parte em algumas caixas de brinquedos que eu colocava debaixo da cama. A
maior parte, porém, ficava bem escondida na mente de um garotinho de olhos
verdes, bochechas rosadas e tanta inocência que dava dó... Andava de pé no
chão, morou em um barracão de 3 cômodos, e brincava nas ruas de terra do bairro
onde morava, que ainda não tinha rede elétrica, água encanada ou rede de esgoto.
Um garotinho de família humilde, que ficava com o rosto sujo pela fuligem da
lamparina de querosene, e que “escutava” os desenhos preferidos da TV colando o
ouvido na parede da casa vizinha. Realmente eu era um garotinho sem muitos recursos,
mas extremamente rico. Por volta dos 15 anos de idade,
infelizmente, comecei a perder tudo...
Você, lendo estas linhas, pode até pensar que
isto não passa de uma brincadeira, mas é sério. A sensação de riqueza que eu
sentia era muito real. Me faziam muito bem minhas posses de mentirinha, meus
carros e aviões. Eu verdadeiramente viajava pelo mundo, explorava minas,
pilotava navios e naves espaciais. As imagens da minha mente infantil eram
muito mais nítidas do que aquelas que vejo na TV de alta definição que tenho na
sala e ainda não terminei de pagar. Nas riquezas sem fim de minha imaginação eu
angariava alegria verdadeira, sorrindo e me divertindo profundamente com meus
caminhões de lata, com meus exércitos de carretel de linha. E como eu me sentia
plenamente realizado quando via brotar meus pés de feijão e milho, cultivados
por meus fazendeiros de plástico e regados com a água tirada da cisterninha
feita de latas de óleo de soja enterradas no quintal.
Naquela época eu era próspero na confiança que
tinha em mim mesmo. Realizava meus sonhos de uma forma que só meus infinitos
recursos podiam pagar. Era pleno em autoestima, e me sentia inteligente e
capaz. Não fazia a menor ideia de que eu me compararia com outros no futuro
para tentar medir minha “grandeza”... Quando a gente faz uma coisa desta é que começa a
ficar pobre.
Eu, enquanto garotinho que vivia no quintal, era
farto em coragem. Lutei muitas vezes com tigres, leões e dinossauros
assustadores. A riqueza de minha imaginação permitiu que meu cachorro
interpretasse com maestria cada um destes enormes animais. Rico como era, eu
esbanjava ousadia e determinação. A palavra desistir não era conhecida e o
deixar pra depois servia apenas para o ato de almoçar ou tomar banho depois de um
dia de brinquedo da terra ou entre as árvores (muitas vezes em cima delas...).
Meus cofres, assim como a caixa forte do Tio
Patinhas, estavam abarrotados de paciência. Minha riqueza de mentira me
proporcionou a obtenção de qualidades de verdade, tais como o gosto pelo estudo
(quando eu era um renomado cientista que explorava outros planetas), a
solidariedade (quando eu era imperador e dividia minha enorme colheita de
frutos com os imperadores vizinhos, também conhecidos como colegas) e a empatia
(quando meu amigo perdeu sua nave espacial, que era a árvore em que subíamos para viajar
ao espaço e foi cortada de seu quintal...).
E assim, o pequeno bilionário que habitava
mansões feitas de caixas de papelão, tinha muitas jóias raras como coragem e
otimismo, e brilhantes fabulosos como consideração e carinho pelos outros, além
de uma pérola valiosa ao extremo, chamada SATISFAÇÃO.
Entre os 18 e 20 anos eu já não era tão rico...
Assim que a riqueza material começou a se insinuar e a busca por aquilo que “é
de verdade” no mundo adulto começou a ganhar força fui ficando mais pobre de
coragem, de ousadia, de criatividade... Minha fortuna de autoestima diminuiu
drasticamente. Já não sou mais tão determinado, há muito não sei o que é
desfrutar de um passeio no meu carro de verdade sem pensar no desgaste das
peças e no preço da gasolina...
Triste esta realidade de ir ficando mais pobre a
cada dia... Hoje de madrugada vasculhei meus cofres e só consegui encontrar uma
moeda. Parecia uma daquelas bem antigas, que os exploradores do fundo do mar
encontram em navios naufragados. Esta moeda tem cunhado em um dos lados a
palavra EXPERIÊNCIA.
Olhando DE UMA OUTRA FORMA para minha única
moedinha “de mentira” , alimentei uma esperança em meu coração. Pensei, durante
as horas da madrugada, enquanto minha esposa e filho dormiam, que talvez eu
pudesse comprar um pouco de sabedoria divina, para que o pobre homem que me
tornei pudesse recuperar sua fortuna.
Se você tem sentido que está ficando pobre, assim
como eu, procure a última moeda em seu cofre. Faça com ela o investimento da
sabedoria. Creio que a vontade de Deus para nós é que todos sejamos abundantemente
abastados, principalmente daquela “riqueza de mentirinha” de que tanto
precisamos. Ela faz parte da promessa de Deus pra nós. Pense nisto.